RÔMULO DE MORAIS E OLIVEIRA[1]
(Orientador)
RESUMO: A temática do trabalho possui como questão central o estudo da continuidade da paternidade socioafetiva frente a dissolução do vínculo conjugal. Este estudo norteou-se a partir de um objetivo geral em demonstrar se há possibilidade jurídica de desconstituir a paternidade socioafetiva após o rompimento da relação conjugal, seja na perspectiva do pai socioafetivo tomando a iniciativa no pedido desta desconstituição, como também do filho que não quer mais manter o vínculo de afetividade com o pai socioafetivo. A metodologia empregada foi realizada através da pesquisa jurídica, de cunho exploratório, sendo bibliográfica, pautada em literatura jurídica especializada, entendimentos jurisprudenciais, sítios da internet e legislação pertinente, acerca dos princípios constitucionais da construção da família socioafetiva mesmo existindo pai biológico, cujo método de abordagem teórica foi o dedutivo. Dentre os resultados alcançados tem-se que ficou demonstrado que o rompimento da sociedade conjugal pode significar em prejuízos para todos os indivíduos pertencentes ao grupo familiar. Concluiu-se, então, que mesmo que ocorra o rompimento do vínculo conjugal, a paternidade socioafetiva não poderá ser desconstituída seja por iniciativa do pai socioafetivo ou do filho.
Palavras-chave: Afetividade; Paternidade Socioafetiva; Rompimento Sociedade Conjugal.
ABSTRACT: The theme of the work has as its central issue the study of the continuity of socio-affective paternity in the face of the dissolution of the marital bond. This study was guided by a general objective of demonstrating whether there is a legal possibility of disconstituting socio-affective paternity after the breakup of the marital relationship, whether from the perspective of the socio-affective father taking the initiative in requesting this disconstitution, as well as the child who does not want to more maintain the bond of affection with the socio-affective father. The methodology used was carried out through legal research, exploratory in nature, being bibliographical, based on specialized legal literature, jurisprudential understandings, websites and pertinent legislation, about constitutional principles, the construction of the socio-affective family even if there is a biological father, whose method theoretical approach was the deductive. Among the results achieved, it has been shown that the rupture of the conjugal society can result in losses for all individuals belonging to the family group. It was concluded, then, that even if the marital bond is broken, the socio-affective paternity cannot be dismantled either by the socio-affective father or the son's initiative.
Keywords: Affection; Socio-affective paternity; Disruption of the Marriage Society.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 AS NOVAS INSTITUIÇÕES FAMILIARES NO BRASIL SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. 3 DA FAMÍLIA MONOPARENTAL E SUA RELAÇÃO NO CONTEXTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. 4 DO ROMPIMENTO DA RELAÇÃO CONJUGAL E A POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O assunto abordado no presente trabalho envolve o estudo da continuidade da paternidade socioafetiva frente à dissolução do vínculo conjugal. Em outras palavras, a possibilidade ou não de desconstituição do registro na relação socioafetiva entre padrasto ou madrasta e o filho do cônjuge.
Assim, tem-se por tema desta pesquisa a análise dos efeitos do rompimento conjugal na relação socioafetiva entre o filho do cônjuge com o padrasto ou madrasta, demonstrando que a paternidade socioafetiva é criada por um vínculo de afetividade entre pais e filhos afetivos em que se cria uma responsabilidade jurídica por meio do registro civil, trazendo consigo frutos de afeto, atenção, carinho e a proteção que os pais podem proporcionar aos filhos como desenvolvimento físico e emocional. Contudo, na hipótese de ocorrência da separação conjugal essa relação socioafetiva entre os filhos e os genitores afetivos pode ser abalada e até mesmo desconstituída. Desse imbróglio, surge a seguinte problemática: com o rompimento da relação socioafetiva, o registro de paternidade socioafetiva pode ser desconstituído, tanto pelo pai afetivo como também pelo filho socioafetivo?
Essa pesquisa justifica-se a partir da necessidade de compreensão sobre os novos modelos de entidades familiares existentes na sociedade, tendo em vista a carência de legislação especifica sobre essas questões. Tem-se que na falta de normativa sobre determinado tema, é cabível à jurisprudência decidir sobre a matéria de modo a evitar possíveis lesões a direitos previstos na Constituição de 1988.
Este estudo norteou-se a partir de um objetivo geral em demonstrar se há possibilidade jurídica de desconstituir a paternidade socioafetiva após o rompimento da relação conjugal, seja na perspectiva do pai socioafetivo tomando a iniciativa no pedido desta desconstituição, como também do filho que não quer mais manter o vínculo de afetividade com o pai socioafetivo.
O caminho percorrido para o desfecho da presente pesquisa guiou-se a partir de objetivos específicos que delinearam o trajeto metodológico adequado com o intuito de explorar pontos específicos e estratégicos da pesquisa, dentre os quais, apresentar, inicialmente, as novas configurações familiares juridicamente reconhecidas no Brasil na perspectiva do direito civil-constitucional, além de pesquisar as características das famílias monoparentais e da paternidade socioafetiva, de modo a identificar as relações que possuem e, ainda, investigar a possibilidade jurídica de se desconstituir a paternidade socioafetiva após o rompimento da relação conjugal.
A metodologia empregada foi realizada através da pesquisa jurídica, de cunho exploratório, sendo bibliográfica, pautada em literatura jurídica especializada, entendimentos jurisprudenciais, sítios da internet e legislação pertinente, acerca dos princípios constitucionais, da construção da família socioafetiva mesmo existindo pai biológico, cujo método de abordagem teórica foi o dedutivo.
O estudo desse tema é de suma importância para o meio jurídico brasileiro e social, pois trata-se de uma questão interligada à garantia fundamental da proteção à família, de modo a assegurar a dignidade da pessoa humana, a constituição de uma entidade familiar livre de preconceitos e rótulos, evidenciando a multiplicidade de espécies de famílias existentes na sociedade brasileira atual que foram construídas no decorrer do tempo, antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988.
Assim, não restam dúvidas da relevância de elaboração desse estudo, devido a importância da família para sociedade, tendo em vista que a família pode ser considerada o pilar de sustentação e construção social das civilizações ao longo dos anos. De certo modo, mesmo com a Constituição de 1988 (considerada um importante instrumento na defesa e proteção dos direitos da família), ainda existem muitos tabus sociais em relação às novas formas de famílias, especialmente aquelas formadas por laços afetivos, e desmitificar esses assuntos de grande relevância social impulsiona o ordenamento a tratar sobre tais questões e resolver possíveis dúvidas pendentes.
2 AS NOVAS INSTITUIÇÕES FAMILIARES NO BRASIL SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL
A entidade familiar, com o transcorrer dos anos e a evolução do comportamento social, passou por diversas modificações em sua estrutura, vindo a constituir novas formas de famílias, sendo umas reconhecidas sob a perspectiva constitucional vigente e outras ainda não.
A presente seção tem por premissa discorrer acerca das famílias construídas ao longo do tempo no ordenamento brasileiro, sintetizando apontamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca desta temática.
A definição de família, na perspectiva de Sílvio Venosa (2017), oferece um paradoxo em seu entendimento. Em razão de não existir, segundo o autor, uma identidade de conceito para o Direito, como todo fenômeno social, a extensão do tema difere nos vários ramos do Direito, podendo coexistir diversos significados de família. Assim, o mencionado autor, com base no direito moderno, conceitua família como sendo o conjunto de pessoas unidas por uma relação conjugal ou de parentesco, considerando-se família, em sentido amplo, aquela constituída por vínculos jurídicos de natureza familiar.
Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 468), trazendo em seu conceito um entendimento latu sensu, apresenta-nos uma ideia jurídica na qual o termo família “abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins”. Acerca da evolução da família, salienta Rolf Madaleno que o advento da Constituição Federal de 1988 impulsionou transformações no Direito de Família, indo no caminho inverso do regramento previsto no Código Civil de 1916:
Como antes visto, o Direito de Família sofreu profundas mudanças com o advento da Constituição Federal de 1988, a ponto de ser defendida a prevalência de um Direito de Família Constitucional. No caminho inverso do Código Civil de 1916, formado no espírito da patrimonialização e matrimonialização das relações familiares, o novo texto civil está fincado no desenvolvimento da pessoa humana, princípio basilar da Carta Política vigente. Foi reconhecida a completa paridade entre os cônjuges, desaparecendo a hipocrisia de o marido exercer a chefia da sociedade conjugal e de a mulher ser sua mera colaboradora, e o direito de o marido fixar o domicílio conjugal, ou de autorizar o casamento de seus filhos menores. Derrogado o pátrio poder, também foram reconhecidos pela legislação vigente direitos semelhantes aos do casamento para a estável convivência de um homem e de uma mulher. (MADALENO, 2018, p. 89).
Assim, o arcabouço normativo do Direito de Família no Brasil era constituído pela codificação civil de 1916 e algumas leis posteriores que traziam regras específicas sobre família, sendo esta constituída pelo casamento, na qual imperava o patriarcado. Todavia, a Constituição de 1988, em atenção às transformações sociais que o Brasil viria passar já a partir da década de noventa, adequou-se às novas tendências do Direito de Família (GONÇALVES, 2017).
Para Sílvio Venosa o legislador pátrio, no Código de 1916, ignorou a família ilegítima, constituída sem o vínculo de casamento, sempre evitando tratar do casamento ao lado da união concubinária, sendo que a Constituição vigente reconheceu a união estável entre homem e mulher:
(...) a dicção constitucional de 1988, reconhecendo o Estado a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, e com a legislação ordinária que se seguiu outorgando direito de alimentos e sucessórios aos companheiros, devem ser superadas as ideias que nortearam parte de nossa dogmatizada doutrina por tantas décadas, ainda ligada às origens culturais de nosso Código Civil. O Código de 2002 traça dispositivos que visam regular a entidade familiar sem matrimônio, tanto no direito de família, como no direito das sucessões, nem sempre com a eficiência necessária, tanto que já se acenava com modificações nesse campo, durante o período de vacatio legis. (VENOSA, 2017, p. 38)
A união estável é reconhecida como entidade familiar do Direito Civil. A partir do momento em que a família deixou de ser um núcleo de reprodução, dando espaço para o amor, o afeto e o companheirismo, surgiram novas apresentações sociais familiares, dentre elas a própria união estável. As características da união estável são: a convivência pública, continua, duradoura e com animus de constituir família, não se exigindo um prazo mínimo e nem necessidade de coabitação (MELLO, 2021). Nesse sentido, tanto o casamento como a união estável estão previstos no Código Civil de 2002.
Paralelo ao casamento e à união estável está o concubinato. Durante muito tempo o legislador viu no casamento a única forma de construção da família. Coube à doutrina tecer posições sobre os direitos dos concubinos, preparando terreno para a jurisprudência e, posteriormente, a alteração legislativa. Na investidura atual o legislador colocou o concubinato e os concubinos na posição de uniões de segunda classe em que há impedimentos para o casamento (VENOSA, 2017).
Em seu sentido etimológico, o concubinato é derivado do grego concubare, significando mancebia, abarregamento, amasiamento. Antigamente sendo reconhecida como união estável, na atualidade é tida somente como relação de adultério. Visto ainda como união impura por aqueles impedidos de casar, melhor dizendo, entre ambos casados, ou pelo menos um deles se mantém casado (MELLO, 2021).
Nos termos do artigo 1.727 do Código Civil de 2002 entende-se por concubinato “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato” (BRASIL, Código Civil de 2002). Além do mais, a Súmula nº 380 do Supremo Tribunal Federal prevê que “comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum” (BRASIL, Código Civil de 2002).
A respeito do concubinato, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 1045273/SE, em sede de direitos sucessórios reconheceu que a concubina não possui direito a divisão da pensão com viúva (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 1045273/SE, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, Data de Julgamento: 21/12/2020, Data de Publicação: 09/04/2021).
Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal equiparou o companheiro ao cônjuge no julgamento do Recurso Extraordinário nº 646721, prevalecendo o entendimento que não dever ocorrer distinções no tocante ao regime sucessório entre cônjuge e companheiros, conforme se observa na ementa abaixo:
DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. APLICAÇÃO DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL À SUCESSÃO EM UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (STF-RE 646721, Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, Data de Julgamento: 10/05/2017, Data de Publicação: 11/09/2017).
Nota-se que a promulgação da Constituição de 1988, abriu um leque de novas possibilidades de constituição de família no ordenamento jurídico brasileiro, deixando de lado os parâmetros do Código Civil de 1916 e adotando normativas com base em um novo Código Civil em 2002. Visto isto, sob o prisma da família moderna em função do surgimento dos novos fenômenos sociais, Sílvio Venosa comenta que:
A célula básica da família, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a sociedade urbana. A família atual, contudo, difere das formas antigas no que concerne a suas finalidades, composição e papel de pais e mães. A nova família estrutura-se independentemente das núpcias. Coube à ciência jurídica acompanhar legislativamente essas transformações sociais. Se, por um lado, a Constituição de 1988 começou a desconstruir a noção de poder patriarcal do Código de 1916, não trouxe em suas linhas, e certamente não era o caso de fazê-lo, outras manifestações de entidades familiares. O Código de 2002 abandonar arraigados princípios clássicos da família patriarcal, para compreender os novos fenômenos da família contemporânea, algo que o Estatuto das Famílias busca com sucesso. (VENOSA, 2017, p. 21).
A primeira roupagem de nova instituição familiar é a união homoafetiva (entre pessoas do mesmo gênero ou sexo) sendo considerada como grande marco do Direito da Família, rompendo com as premissas patriarcais e religiosas que ainda hoje imperam na sociedade. Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal, em interessante decisão proferida em 2011, reconheceu a possibilidade de união entre pessoas do mesmo gênero:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO. (STF-ADPF 132, Relator: Min. Ayres Brito, Tribunal Pleno, Data de Julgamento: 05/05/2011, Data de Publicação: 14/10/2011).
A decisão proferida em sede de Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 4.277 e também na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 igualaram os direitos e deveres do casamento para a união homoafetiva, equiparando-o aos efeitos da união estável entre homem e mulher.
Por se tratar de normativa constitucional, em que assegurava apenas a união estável entre pessoas de sexo diferentes, a doutrina considerava a união entre pessoas do mesmo sexo chamada de união homoafetiva como fato inexistente que por si só não gerava efeitos, independente de coabitação. A falta de legislação especifica, fez como que aos poucos, os casais que viviam em união homoafetiva buscassem seus direitos perante o Poder Judiciário (GONÇALVES, 2017).
Outro ponto importante a ser destacado, é a possibilidade de adoção de crianças por casais homoafetivos. Desse modo, a parentalidade nas uniões homoafetivas pode insurgir na existência de filhos havidos por um dos parceiros em relação anterior, com o uso de técnicas de reprodução assistida como banco de esperma ou barriga de aluguel, por via de adoção e com a co-parentalidade socioafetiva (MELLO, 2021).
Segundo Tânia Nigri (2020), o Instituto Nacional do Seguro Social, por meio da Instrução normativa nº 45/2010, reconheceu o direito de pensão por morte de companheiros do mesmo sexo.
Além disso, há a união poliafetiva, que possui como fundamento hermenêutico o afeto e a busca pela felicidade dos membros pertencentes, mesmo que não haja reconhecimento constitucional ou infraconstitucional pelo legislador pátrio (MELLO, 2021).
Segundo Maria Berenice Dias (2016), existem vários termos para a família poliafetiva, como poliamor ou poliamorosas, sendo que a distinção entre família simultânea e poliafetiva é de maneira espacial.
Nos relacionamentos paralelos mantêm-se duas ou mais entidades familiares, cada qual vivendo em sua residência, já a união poliafetiva forma-se apenas uma entidade familiar, onde todos os entes moram juntos. Assim, as uniões paralelas ou simultâneas, são resultado da possibilidade de manter vínculo de natureza afetiva e sexual simultaneamente com mais de uma pessoa. Embora seja conteúdo que cause imbróglios normativos e sociais, não há como deixar de reconhecer a existência de união estável quando consagrados os requisitos (DIAS, 2016).
Devido ao reconhecimento das uniões estáveis na Constituição de 1988, cresceu a insegurança nos namoros, no tocante a confusão com a união estável e os seus mais variados direitos. Em razão dessa incerteza, tem emergido nos cartórios registros de contrato de namoro, mas, apesar disso, não é pacifico nos tribunais a aceitação de tal medida, havendo quem defenda por sua invalidade. De modo ilustrativo, cita-se o caso do apresentador Gugu Liberato que fez conjuntamente um contrato de namoro com a médica Rose Miriam e após sua morte ela pediu um reconhecimento de união estável, a questão ainda não possui sentença (NIGRI, 2020).
Embora essas entidades familiares não estejam expressamente transcritas na Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, considera analogicamente respaldo jurídico a todas as espécies de famílias emergidas após a Constituição de 1988.
3 DA FAMÍLIA MONOPARENTAL E SUA RELAÇÃO NO CONTEXTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
Conforme visto no capítulo anterior, a respeito dos aspectos históricos da proteção jurídica da família no ordenamento jurídico brasileiro, tem-se que durante muito tempo a família estava ligada a ideologia do casamento e do homem como centro do poder familiar (pater familias – pátrio poder), estabelecendo autoridade sobre a esposa e os filhos. A mulher vivia apenas para os afazeres do lar e a criação dos filhos.
A Constituição de 1988 prevê um rol de artigos dedicados inteiramente à proteção da família (no Capítulo VII, atribuído a Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso), sendo esta preconizada no texto constitucional como a base da sociedade, tendo proteção especial do Estado, conforme estabelece o caput do artigo 226 da CF/1988 (GONÇALVES, 2017).
Com isso, tem-se a construção de novas entidades familiares, e para Rolf Madaleno (2018, p. 89) “os novos grupos familiares mereceram proteção no texto constitucional, também se abrindo caminhos na doutrina e na jurisprudência, em especial perante os tribunais superiores para o reconhecimento de uma nova entidade familiar”.
Comenta Silvio Venosa (2017) que é fato que a família contemporânea pode ser constituída sob as mais variadas formas, desde a união em matrimônio, até a convivência sem casamento, passando por inúmeras situações intermediarias, com filhos biológicos ou não, com uniões homoafetivas, resultados do novo quadro social que impera no Brasil. Com isso, alargando o conceito de família, a Constituição de 1988 integrou as relações monoparentais (além do casamento e da união estável e a igualdade entre homens, mulheres e filhos) formada por um dos pais com os seus filhos, afastando o pressuposto do casamento como obrigatoriedade (VENOSA, 2017).
Desse modo, o legislador constitucional, traduzindo um quadro social cada vez mais frequente, foi mais além ao reconhecer também sob proteção do Estado a chamada família monoparental no § 4º do artigo 226, in verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988)
A respeito disso, o renomado civilista explica que a família monoparental “é aquela em que apenas um progenitor, geralmente a mãe, a conduz. Usualmente, mas não exclusivamente, provém de mãe solteira ou abandonada pelo varão” (VENOSA, 2017, p. 59).
Rolf Madaleno pressupõe que a família monoparental é aquela em que o genitor convive com os filhos biológicos ou socioafetivos:
Tecnicamente são mencionados os núcleos monoparentais formados pelo pai ou pela mãe e seus filhos, mesmo que o outro genitor esteja vivo, ou tenha falecido, ou que seja desconhecido porque a prole provenha de uma mãe solteira, sendo bastante frequente que os filhos mantenham relação com o progenitor com o qual não vivam cotidianamente, daí não haver como confundir família monoparental com lugar monoparental. Com respeito à sua origem, as famílias monoparentais podem ter diversos pontos de partida, advindas da maternidade ou paternidade biológica ou adotiva e unilateral, em função da morte de um dos genitores, a partir do divórcio, nulidade ou anulação do casamento e da ruptura de uma união estável. As causas desencadeadoras da monoparentalidade apontam para a natalidade de mães solteiras, inclusive por técnicas de inseminação artificial, até mesmo post mortem e motivos ligados a uma prévia relação conjugal (não necessariamente oriunda do casamento, mas da conjugação de interesses em uma vida comum), com separação de fato, divórcio, nulidade ou anulação do casamento, ou viuvez (MADELENO, 2018, p. 49).
Desse modo, na visão do autor, a família monoparental, por igual, mereceu reconhecimento constitucional, uma vez voltadas as atenções para a tutela da pessoa, sua dignidade como ser humano e o desenvolvimento de sua personalidade no âmbito familiar (MADALENO, 2018).
Vislumbra-se que durante muito tempo a família monoparental esteve presente no cotidiano social, formada geralmente pela mulher (solteira ou divorciada) e sua prole (os filhos), sendo também chamadas ou conhecidas como “mães solos” (mães sozinhas), e a Constituição de 1988 não deixou de tutelar o direito destas mães, entendidas igualmente como um arquétipo familiar.
Dessa forma, a família monoparental vem se destacando e ganhando espaço na sociedade, sendo esta formada por apenas a mãe ou o pai e seus descendentes, ou seja, a presença de um genitor que será responsável pela educação, sustento e criação dos filhos. Assim como a família monoparental, outra espécie de afeto ganha destaque jurídico no âmbito das famílias, que é a paternidade socioafetiva, resultado de novas roupagens familiares instituídas após a promulgação da Constituição de 1988. A Constituição de 1988 estabelece a igualdade entre filhos, nos ditames previstos no artigo 226 conforme destacado anteriormente.
A compreensão de família, assim como sua definição, vem ao longo do tempo desenvolvendo os mais variados questionamentos. Com o advento da Constituição de 1988, a família moderna sofreu algumas mudanças em sua definição. Um desses grandes elementos foi o afeto, tornando-se mais acentuado nas relações dos membros do grupo familiar. Valorizou-se, assim, as funções afetivas da família e desencadeando vários conceitos familiares, como são os casos da família monoparental, biológica e socioafetiva. Sendo assim, de todas as relações parentais, a filiação é considerada a mais importante. Tendo em vista que estabelece a Constituição de 1988 em seu texto normativo os chamados “princípios gerais de amparo da família, com traços fundamentais de proteção na igualdade dos direitos dos filhos, independentemente de sua origem advir do casamento, da união estável, da monoparentalidade ou da adoção” (MADALENO, 2018, p. 88).
Sobre o afeto nas relações familiares, Maria Berenice Dias (2016, p. 212) afirma que “a nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição (art. 1º, III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa”.
Nesse ângulo, a nossa Constituição vigente proíbe a discriminação entre filhos, premissa disposta também no Código Civil de 2002, in verbis:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, Código Civil de 2002)
O Código Civil de 2002 trouxe diversas alterações na matéria referente às famílias, principalmente no que refere às relações de parentesco e a situação dos filhos. Em razão das disposições do Código Civil, surge a filiação, decorrente de vínculos biológicos e socioafetivos.
Entende-se que os vínculos familiares podem ser formados por um viés biológico e também socioafetivo. Cleyson de Moraes Mello (2021) coaduna que a filiação biológica tem início com o casamento, já a paternidade ou maternidade socioafetiva é construída por relações afetivas entre pessoas que se comportam como pai e/ou mãe e filho perante a sociedade.
A filiação biológica é aquela decorrente do vínculo sanguíneo, relacionada a verdade genética, sendo em juízo intitulada de verdade real. Sendo a consagração da afetividade como direito fundamental da pessoa humana resulta na admissão de igualdade nas relações biológicas e socioafetivas entre pais e filhos (DIAS, 2016).
Por sua vez, a filiação socioafetiva é formada por vínculos de afinidade entre pais, mães e filhos afetivos. Comenta Rolf Madaleno (2018) que a nova estrutura das famílias brasileiras promoveu a impulsão dos laços afetivos, premissas relacionadas ao princípio da afetividade.
Maria Berenice Dias (2016, p. 639) define a filiação como “a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas e que atribui reciprocamente direitos e deveres”. De acordo com Cleyson de Moraes Mello (2021) constitui filiação “o vínculo jurídico familiar entres ascendentes e descendentes de primeiro grau decorrente de parentesco”.
Nos ensinamentos de Paulo Lôbo, não existe diferença entre paternidade socioafetiva e biológica, conforme os ditames da Constituição Federal:
A igualdade entre filhos biológicos e não biológicos implodiu o fundamento da filiação na origem genética. A concepção de família, a partir de um único pai ou mãe e seus filhos, eleva-a à mesma dignidade da família matrimonial. O que há de comum nessa concepção plural de família e filiação é sua fundação na afetividade. Pode-se afirmar que toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não biológica; em outras palavras, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a paternidade não biológica. (LÔBO, 2011, p. 31)
Para Rolf Madaleno (2018) com base nos preceitos atuais, deveriam inexistir diferenciação entre filiação biológica e socioafetiva. A Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 inovaram ao estabelecer parâmetros de igualdades nas relações de filiação. É tanto que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a paternidade socioafetiva caminha em patamar de igualdade com a biológica:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a modelos pré-concebidos. Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6º, CRFB). Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. (STF-RE 898060, Relator: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, Data de Julgamento: 21/09/2016, Data de Publicação: 24/08/2017) (com alterações).
Neste viés doutrinário e jurisprudencial, nota-se um paradigma de igualdade entre famílias biológicas (monoparental) e afetivas (paternidade socioafetiva), sendo todos os embasamentos amparados pela Constituição de 1988. É visível a igualdade entre filhos biológicos e afetivos, ou seja, filhos pertencentes a família monoparental ou resultantes de filiação socioafetiva, não importando o núcleo familiar ao qual fazem parte, haverá o reconhecimento da plena igualdade, no que condiz a direitos e obrigações. Verifica-se como sendo família monoparental aquela formada apenas por um genitor e o seus filhos. Todavia, a paternidade ou maternidade socioafetiva está materializada pela relação entre duas pessoas que se consideram socialmente como pai e filho. Diante de tais apontamentos, na existência de correlação entre essas modalidades, entende-se por família monoparental aquela formada na maioria das vezes pela figura da mãe (mulher) e o filho biológico, ressalte-se não existir impedimento para que a família monoparental também se caracterize com a presença do pai (homem) e o filho biológico.
No mesmo viés, a família monoparental pode advir de uma paternidade ou maternidade socioafetiva em que a “mãe ou pai solo” adota o menor, além disto, podendo incidir outra vertente também reconhecida pelo ordenamento, na hipótese do genitor ou genitora se envolver em enlace amoroso, e essa pessoa assume a paternidade ou maternidade do enteado, emergindo um pai socioafetivo.
4 DO ROMPIMENTO DA RELAÇÃO CONJUGAL E A POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
Com base no exposto no primeiro capítulo, o casamento é considerado a primeira forma de constituição de família. O rompimento do vínculo conjugal reflete prejuízos sobre todos os indivíduos pertencentes ao grupo familiar. Sendo assim, a restruturação do Direito de Família possibilitou o surgimento da paternidade socioafetiva interligada aos vínculos afetivos entre pais e filhos que assim se consideram.
Esclarece a renomada autora Maria Helena Diniz (2020, p. 243) que a família é um organismo natural e social, e que, por sua vez, sendo o casamento referido “constitucionalmente como predominante, quando a Carta alude à relação de casamento, embora estabeleça a igualdade jurídica dos filhos havidos dessa relação e dos adotivos”.
Nos termos do Código Civil de 2002, a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal ocorre nos seguintes parâmetros:
Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
I - pela morte de um dos cônjuges;
II - pela nulidade ou anulação do casamento;
III - pela separação judicial;
IV - pelo divórcio.
§ 1 o O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.
§ 2 o Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial. (BRASIL, Código Civil de 2002, online).
Embora ocorra o rompimento conjugal, a relação dos pais com os filhos não termina com a dissolução da sociedade conjugal. Com o princípio constitucional da igualdade dos filhos, mesmo após a separação, o filho será sempre filho, após o reconhecimento da maternidade ou paternidade. Além disto, esculpe o artigo 1.579 do Código Civil que “o divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos” (BRASIL, 2002, online). Com base no parágrafo único do mencionado artigo, o novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos genitores, não poderá importar em possíveis restrições aos direitos e deveres para com os filhos.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2017) a separação, divórcio ou novo casamento dos pais conforme já descrito, não modifica os direitos e deveres dos genitores em relação aos filhos, os direitos e deveres referentes ao poder familiar também se encontram intactos pela disposição do artigo 1.634, incisos I a VII do Código Civil de 2002.
Nesse sentido, seguindo na questão central do presente trabalho, a adoção unilateral do filho do cônjuge pelo outro cônjuge desencadeia questionamentos quanto a possibilidade de desconstituição da paternidade com o fim do casamento. Após a promulgação da Constituição de 1988, a igualdade entre os filhos é premissa fundamental.
Com base em Maria Berenice Dias (2016) em razão da promulgação da Constituição de 1988 viabilizou-se a possibilidade da adoção unilateral dos filhos do cônjuge por parte do companheiro (padrasto ou madrasta). Embora exista pai registral (nome de pai biológico no registro) é necessária a concordância do mesmo para inserção do nome do padrasto ou madrasta.
Pelo exposto, cita-se o voto do Ministro Relator Luiz Fux, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 898.060 pelo Supremo Tribunal Federal, no qual demonstra que a paternidade socioafetiva não exime a responsabilidade do genitor biológico:
A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público no caso, essa era declarada; porque também nós reconhecemos a afetividade como um fato gerador de filiação, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências jurídicas. (STF-RE 898060, Relator: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, Data de Julgamento: 21/09/2016, Data de Publicação: 24/08/2017, p. 8).
Sílvio Venosa (2017) reconhece a existência de duas hipóteses para reconhecimento de paternidade, a judicial e a voluntária, sendo os atos espontâneos, por livre vontade das partes. Na paternidade socioafetiva a pessoa declara que reconhece tal indivíduo como filho. A ação de reconhecimento de paternidade requer a realização de exame de DNA.
Com base nisto, Cleyson de Moraes Mello (2021) diz que o acréscimo do nome do padrasto ou madrasta na certidão do filho do cônjuge é resultado da implementação da Lei nº 11.924/2009, intitulada de Lei Clodovil Fernandes (em homenagem ao Deputado Federal falecido). Acerca dos efeitos no reconhecimento da filiação, o renomado autor Sílvio Venosa, pontua que:
Os filhos reconhecidos equiparam-se em tudo aos demais, no atual estágio de nosso ordenamento, gozando de direito hereditário, podendo pedir alimentos, pleitear herança e propor ação de nulidade de partilha. Se o filho reconhecido falecer antes do autor da herança, seus herdeiros o representarão e recolherão os bens, por direito de transmissão, se a morte tiver ocorrido antes da partilha. O direito sucessório que se estabelece é recíproco entre pais e filhos. Houve também, em nossa legislação, um longo caminho para atribuir-se igualdade de direitos sucessórios aos filhos ilegítimos, matéria afeta a outro estudo. Enfatizemos aqui, porém, que foi a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) que atribuiu direito de herança reconhecido em igualdade de condições para filiação de qualquer natureza. (VENOSA, 2017, p. 281).
No mesmo sentido, comenta Silvio Venosa, no que tange a adoção, nos moldes atuais da legislação, possui efeitos irrevogáveis. Uma vez estabelecida, a adoção apenas poderá ser rescindida conforme os princípios processuais. O Código Civil de 2002 também trata dos efeitos do reconhecimento da paternidade, na redação dos artigos 1.609, 1.610 e 1.613 que dispõem:
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.
Art. 1.613. São ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho. (BRASIL, Código Civil de 2002, online).
A Lei nº 8.560/1992 que regulamenta a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento também dispõe que:
Art. 1° O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I - no registro de nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação expressa e direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Art. 2° Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação. (BRASIL, lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, 1992, online).
De acordo com Maria Berenice Dias (2016), o fato do(a) enteado(a) agregar o nome do padrasto ou madrasta no seu registro de nascimento não interfere nos efeitos do poder familiar do genitor biológico (caso exista). Sobre esta questão, Rolf Madaleno comenta os efeitos do rompimento conjugal na relação dos filhos:
Quanto aos filhos, a separação oficial não produz qualquer alteração no tocante ao poder familiar dos pais, como prescreve o artigo 1.632 do Código Civil. O poder familiar só pode ser suspenso ou perdido por decisão judicial, quando um pai ou uma mãe incorrer em alguma das faltas previstas no artigo 1.638 do Código Civil, e deste poder ficará suspenso se abusar de sua autoridade, ao faltar com os deveres inerentes ao poder familiar ou arruinando os bens dos filhos (CC, art. 1.637). As causas de suspensão ou de perda do poder familiar poderão ser enfrentadas no processo litigioso de divórcio judicial, importando o seu reconhecimento na privação da custódia e também da própria autoridade dos pais. Os pais como titulares do poder familiar têm o direito de ter consigo os filhos menores, pois só desta forma podem orientar a formação e educação da sua prole em toda a sua extensão, e na eventualidade de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação ou pelo divórcio direto consensual, dissolução de união estável ou em medida provisória ordena o artigo 1.584, inciso I, do Código Civil, seja observado o acordado pelos cônjuges sobre a guarda dos filhos. Na hipótese de separação ou de divórcio litigioso sem acordo quanto à guarda dos filhos, será aplicada a guarda compartilhada, estando ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar (CC, art. 1.584, § 2º). (MADALENO, 2018, p. 411-412).
Rolf Madaleno ratifica que a separação ou divórcio não provoca consequências no pátrio poder dos pais. Na hipótese de divórcio ou separação litigiosa a guarda definida será a compartilhada em prol dos interesses do menor. Em caso consensual, deverá ser observado a guarda que satisfazer os interesses do menor. Voltando ao assunto, em decisão recente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça declarou a desconstituição da paternidade em um caso específico em que o autor da ação fora induzido a erro. A corte decidiu que a existência de longo período de convivência socioafetiva no ambiente familiar não impede em caso de indução em erro no registro dos filhos que o suposto pai ajuíze ação negatória de paternidade e sendo constatado ausência de vinculo biológico o juiz poderá descontinuar a filiação.
Vale esclarecer que no presente caso o autor também não possui vínculo afetivo com as crianças. Sobre o caso, destaca-se a jurisprudência advinda da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça nos mesmos preceitos:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PAI REGISTRAL INDUZIDO A ERRO. AUSÊNCIA DE AFETIVIDADE ESTABELECIDA ENTRE PAI E FILHO REGISTRAIS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia cinge-se em definir a possibilidade de anulação do registro de paternidade em virtude da ocorrência de erro de consentimento e da inexistência de relação socioafetiva entre o menor e o pai registral. 2. É possível a desconstituição do registro quando a paternidade registral, em desacordo com a verdade biológica, é efetuada e declarada por indivíduo que acredita, realmente, ser o pai biológico desta (incidindo, portanto, em erro), sem estabelecer vínculo de afetividade com a infante. 3. Não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto, igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que, voluntária e conscientemente, o queira. A filiação socioafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente, circunstância, inequivocamente, ausente na hipótese dos autos. 4. O singelo argumento de que o relacionamento amoroso do pai registral e da genitora da criança tenha sido curto e instável não configura uma presunção de que o reconhecimento da paternidade foi despojado de erro de consentimento.5. Recurso especial provido. (STJ-REsp: 1930823 PR 2020/0182853-4, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, Data de Julgamento: 10/08/2021, Data de Publicação: 16/08/2021).
Em sentido contrário, caminham as decisões dos Tribunais brasileiros, conforme se observa no julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
NEGATORIA DE PATERNIDADE. IMPROCEDÊNCIA. PATERNIDADE VOLUNTARIAMENTE RECONHECIDA NO REGISTRO CIVIL, MESMO SENDO SABIDO QUE A CRIANÇA NÃO ERA FILHA BIOLÓGICA, NÃO APONTAMENTO DE VICIO DE CONSENTIMENTO NO ATO REGISTRAL QUE POSSA LEVAR À SUA DESCONSTITUIÇÃO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA QUE DEVE PREVALECER SOBRE A VERDADE BIÓLOGICA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP-AC: 10319065820188260196 SP 1031906-58.2018.8.26.0196, Relator: Moreira Viegas, 5º Câmara de Direito Privado, Data de Julgamento: 04/03/2020, Data de Publicação: 05/03/2020).
Desse modo, a jurisprudência acima disposta nega a possibilidade de desconstituição da paternidade socioafetiva. Nessa conjuntura, tem-se que o reconhecimento da paternidade socioafetiva entre padrasto e filho do outro cônjuge, caminha nos mesmos termos da paternidade biológica, assegurado o direito a alimentos, herança, entre outros direitos decorrentes dessa relação. Afinal, conforme o princípio do melhor interesse para o menor, deve-se escolher no caso concreto, a opção mais vantajosa para criança e adolescente.
Conforme apontado neste capítulo, em resposta a problemática do estudo, verifica-se que, embora haja o rompimento da sociedade conjugal, na ocorrência do desfazimento da relação socioafetiva entre filho do cônjuge e o companheiro (padrasto ou madrasta), com base nos ditames da jurisprudência e por analogia à situação que envolve a paternidade biológica, seguindo os mesmos parâmetros definidos na lei, o registro na paternidade socioafetiva não poderá ser desconstituído, seja por parte do filho socioafetivo, bem como pelo pai afetivo, ressalvadas as hipóteses eivadas de vício ou indução a erro.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa norteou-se a partir de um objetivo geral em investigar e demonstrar se era cabível a premissa de desconstituição da paternidade socioafetiva (entre padrasto ou madrasta e filho do cônjuge) em decorrência do rompimento da relação conjugal, não importando de quem seja a iniciativa, do filho ou do pai afetivo.
Nesta senda conclusiva, o caminho percorrido para o desfecho do presente estudo guiou-se a partir de objetivos específicos que delinearam o trajeto cognitivo de aferição das informações jurídicas por meio de pesquisa bibliográfica, com a finalidade de observar os pontos estratégicos desse trabalho, dentre os quais, apresentar novas configurações familiares juridicamente reconhecidas no Brasil na perspectiva do direito civil-constitucional, bem como, pesquisar as características das famílias monoparentais e da paternidade socioafetiva, de modo a identificar as relações que possuem.
Outro ponto de destaque da pesquisa foi o estudo sobre a questão dos aspectos históricos da proteção jurídica da família no ordenamento pátrio, demonstrando que por um longo período o casamento teve o homem como centro do poder familiar, instituindo autoridade sobre a mulher e os filhos. No entanto, após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988 houve a instituição de um paradigma de igualdade entre famílias biológicas e socioafetivas, ao estabelecer igualdades entre filhos biológicos e afetivos, além disso, a família monoparental passa a ser protegida constitucionalmente.
Ainda, observou-se neste ponto da pesquisa a necessidade de se fazer o paralelo entre a família monoparental e a família socioafetiva, compreendendo-se família monoparental como aquela formada apenas por um genitor e o seus filhos, enquanto que a paternidade socioafetiva é materializada pela junção entre duas pessoas que se consideram perante a sociedade como pai e filho, podendo insurgir também a possibilidade em que o genitor se envolve em um enlace amoroso e o seu cônjuge assume a paternidade do enteado, surgindo uma paternidade socioafetiva nas hipóteses de existência de pai registral, sendo necessária a anuência deste para inserção do nome do genitor afetivo no registro civil da criança ou adolescente.
Outros paradigmas nortearam a presente pesquisa, e um objetivo específico fundamental para se chegar à conclusão deste estudo foi a análise pormenorizada da possibilidade jurídica de se desconstituir a paternidade socioafetiva após o rompimento da relação conjugal. Com isso, diante da pesquisa desenvolvida verificou-se que o casamento é considerado a primeira forma de construção da família, porém, o rompimento da sociedade conjugal pode significar em prejuízos para todos os indivíduos pertencentes ao grupo familiar, e a consequente inovação no direito de família, impulsionou o início da paternidade socioafetiva formada por vínculos afetivos entre pais e filhos.
Assim, com o desfecho desta pesquisa, conclui-se que mesmo que ocorra o rompimento do vínculo conjugal, a paternidade socioafetiva não poderá ser desconstituída seja por iniciativa do pai socioafetivo, como também do filho que não quer mais manter o vínculo de afetividade decorrente dessa relação, levando em consideração que os efeitos desse reconhecimento no registro civil do menor vai em encontro com o mesmos termos definidos na filiação biológica, sendo assegurado o direito a alimentos, herança, entre outras garantias decorrentes dessa relação.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (UFT). Professor da Faculdade de Ciência Jurídica de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Artigo publicado em 28/10/2021 e republicado em 09/05/2024
Graduada do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Larissa Rodrigues da. Da continuidade da paternidade socioafetiva diante da dissolução vínculo conjugal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2024, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /57346/da-continuidade-da-paternidade-socioafetiva-diante-da-dissoluo-vnculo-conjugal. Acesso em: 28 dez 2024.
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